O frágil cessar-fogo entre Israel e o Irã, montado por Donald Trump com ajuda do Qatar na segunda (23), traz certamente alívio aos civis dos dois lados do conflito, além de proporcionar a todos os envolvidos a chance de dizer que venceram o embate.
O problema, como já aconteceu em episódios menos agudos envolvendo Irã, Estados Unidos e Israel no passado, é que a acomodação dificilmente resolverá algumas questões fundamentais subjacentes.
A seguir, a Folha de S.Paulo traz algumas dessas perguntas e outras considerações acerca dos 12 dias que mudaram o Oriente Médio.
QUEM VENCEU?
Acima de tudo, Israel. O governo de Binyamin Netanyahu, enfrentando ampla condenação internacional e pressão doméstica pelo morticínio em Gaza, foi apoiado até pelos relutantes europeus em sua guerra. Como disse premiê alemão, alguém fez o serviço sujo para o Ocidente.
Provou que o Irã pode ser um tigre de papel militar sem a ajuda de seus prepostos regionais, o Hezbollah à frente —com ele Tel Aviv já tinha lidado, na destrutiva campanha após o ataque terrorista do Hamas no 7 de Outubro.
Claro, os mísseis dos aiatolás fizeram grande estragos e mataram pessoas, mas do ponto de vista militar Teerã foi derrotada. Suas defesas aéreas foram anuladas e muito de sua capacidade de ataque à distância, também.
MAS A TEOCRACIA SEGUE FIRME
Nem tão firme, dado que ela já vinha em um processo de desgaste social e econômico, mas segue viva. A tal mudança de regime só pode ocorrer se houver uma pressão popular insuportável, o que não acontece quando bombas estão caindo. A oposição local foi esmagada e é fragmentária, o que dificulta as coisas por ora.
Do ponto de vista discursivo, o Irã pode dizer que aguentou a agressão de Israel e retaliou também contra o ataque inédito americano, e isso basta para o regime vender uma vitória.
E OS EUA?
Trump demonstrou, ao executar um plano aperfeiçoado ao longo de 20 anos, a inigualável capacidade de projeção de poder dos EUA com seu bombardeio às centrais nucleares. Isso dito, o espaço aéreo estava liberado após uma semana de campanha de Israel.
O presidente quis demonstrar apoio ao Estado judeu e, ao mesmo tempo, desengajar-se o mais rapidamente possível da confusão para dar uma resposta à sua base alérgica a intervenções estrangeiras e à opinião pública americana em geral, que rejeita a aventura.
De forma atabalhoada, aceitando o teatro da retaliação iraniana à sua base no Qatar, pulou fora. Resta saber se terá como continuar assim se a situação desandar de novo.
E O PROGRAMA NUCLEAR?
"Casus belli" original do ataque de Israel, a chance de os aiatolás fazerem a bomba atômica por certo foi atrasada. Por quanto tempo é o mistério, até porque não se sabe os exatos danos às centrais atacadas por Israel e EUA. Além disso, há sinais claros de que Teerã moveu equipamento e, principalmente, os 400 kg de urânio enriquecido a 60% que já tem antes do pior vir.
Assim, pode haver a possibilidade de os aiatolás correrem para fazer uma bomba, ou as 15 que Israel teme, ou mesmo trabalhar numa arma suja com o material que têm, capaz de espalhar radiação.
E COMO SE VERIFICA ISSO?
Essa é uma incógnita dos anúncios de Trump. Antes da guerra, havia uma negociação entre EUA e Irã. Ela será retomada? O americano disse considerar o programa nuclear do rival acabado, o que não tem sustentação na realidade, mas pode deixar a questão ser empurrada com a barriga.
O papel central aqui seria da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), mas o relatório desse órgão da ONU dizendo que os iranianos violaram seus compromissos de transparência nuclear azedou a relação com Teerã, que ameaça até sair do TNP (Tratado de Não Proliferação), o que apenas a Coreia do Norte fez até hoje.
OU SEJA, HÁ UM IMPASSE AÍ
Sim, a trégua de rede social de Trump não entrega um caminho para a solução do caso. Os iranianos insistem em reter capacidade de enriquecimento e se negam a ter um programa pacífico alimentado por combustível de outros, como a aliada Rússia.
Se isso mudaria com um novo regime de inspeções, análogo ao acordo de 2015 que o mesmo Trump descartou em 2018, é incerto, mas a vulnerabilidade militar de Teerã pode acabar pesando.
E O RESTO DO CONFLITO, EM GAZA E COM OS HOUTHIS?
O Qatar, que viu mísseis iranianos voando sobre Doha para mirar a base americana de Al-Udeid, reiniciou as conversa com Israel e o Egito, visando um novo cessar-fogo em Gaza e o fim do bloqueio israelense que causou uma crise humanitária adicional à existente devido à guerra.
Para Netanyahu, é um nó: mexer com isso implica trazer o foco para o desastre de inteligência que foi o 7 de Outubro, reviver o drama dos reféns ainda com o Hamas e enfatizar a tragédia em Gaza.
Por outro lado, ainda que lhe seja útil, não é possível adiar indefinidamente a questão, e aí sua posição mais popular e militarmente robustecida pode ensejar soluções ainda mais duras. O governo já anunciou que o foco sai do Irã e volta para Gaza, em termos bem belicosos
Já os houthis do Iêmen, outro grupo alinhado com o Irã, perderam o objeto com o cessar-fogo. Eles já estavam em trégua com os americanos no mar Vermelho e, tendo sido bombardeados várias vezes, talvez fiquem na retaguarda.
Fonte: Bahia Notícias
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